Tudo flui e nada permanece. É na mudança que as coisas acham repouso….
(Heráclito)A idéia do bem aparece por último, é percebida com esforço; mas ela é a causa do que é bom e belo, a luz e o sol neste mundo visível.
(Platão)
Karma instantâneo
Riqueza, poder, viver além do tempo com transplantes e implantes. Acumular conhecimento para acumular riquezas, usar a riqueza para obter o poder, ter poder para maior gratificação. Habitar num mundo sem porteira, onde o acaso é rei e Deus está morto. A mecânica quântica abre a fronteira onde a física não se aplica. A ciência nos dá praticamente tudo. Comunicação instantânea, atenção em nano segundos. Imagens, sons, mensagens através do planeta, na velocidade da luz. A caverna de Platão iluminada pela Internet. Mas, cedo ou tarde a morte vai nos encontrar, avisa John Lennon no seu Instant Karma, e resume: enquanto isso você tem que fazer alguma coisa.
Essência e aparência
Afinal vivemos realmente um novo debate sobre o homem e sua relação com a sociedade e com seu interior mais profundo, onde dorme o espírito? Os modernos filósofos, dois mil anos depois, avançaram além do pré-socrático Heráclito? Platão tem herdeiro que leve sua chama além? Ou tudo ainda se resume ao debate entre Platônicos e Socráticos?
Estamos no centenário de Nietzsche. O debate sobre suas teses mal começou: o auto-domínio, a relação entre a razão e o poder, a revelação de que a verdadeira energia é a busca inconsciente do poder.
Nietzsche enfatiza o “desejo de poder” como a base da natureza humana. Batiza toda nossa ansiedade como “ressentimento”, sentimento que nasce ao ver negado esse desejo em nossas ações. A corrupção da natureza humana é encorajada pela manipulação desse ressentimento, plantando uma desesperança que termina por matar Deus. Por isso é necessário exercer o Superhomem, ter domínio sobre as paixões, superar a agitação sem rumo da vida comum e conquistar um estilo criativo e individual.
Kant prefere assegurar o domínio da inteligência sobre os homens e as coisas. Apesar disso, luta contra a tendência do iluminismo de desvalorizar a religião, com a ciência substituindo Deus. Combate os que afirmam que não se pode dar liberdade ao povo porque este não está preparado nem amadurecido para exercê-la, dizendo que o amadurecimento para a liberdade se faz no uso e exercício da liberdade. A imaturidade para a liberdade é o déspota justificando a dominação. Tentar perceber o mundo é sempre perigoso e incerto.
Sem saber de nada – de volta para a incerteza
Para Werner Heisenberg “nós mudamos o mundo quando o observamos”, encaminhando o debate através das teorias da física quântica. O princípio da incerteza diz essencialmente é que não existe meio de medir com precisão as propriedades mais elementares do comportamento subatômico. Quanto mais precisamente você mede uma propriedade — digamos, o movimento de um elétron — menos precisamente você pode conhecer outra — nesse caso, sua posição. Mais certeza de uma, mais incerteza de outra. Heisenberg descobriu esse fato angustiante ao tentar lidar com as desafiadoras teorias da luz.
Existencialista com toda razão
A pergunta é como lidar com um destino incerto sem enlouquecer? Devemos ser existencialistas e, como o dinamarquês Søren Kierkegaard, perder menos tempo com as “essências” — leis universais e realidades tidas como fundamentais. Tais coisas são duvidosas e desviam a atenção de problemas reais, por exemplo, de como podemos, como indivíduos, tomar decisões. Kierkegaard rejeita crença que o bem e o mau tenham alguma realidade objetiva, são “verdades subjetivas”, não podem ser provadas ou estendidas a outros, e são as bases exclusivas das ações individuais. Nem a natureza nem a sociedade podem nos oferecer certeza sobre o bem e o mau, o certo ou o errado.
O valor de nossas ações e seu mais profundo significado são sempre incertos. Ser humano é agir face a tal incerteza. Os homens e mulheres, segundo o existencialismo, agem sem autenticidade se simplesmente aceitam os ditames de qualquer instituição. Fazer isso é fugir à responsabilidade.
Resta ser Humanista, como Corliss Lamont, e adotar “uma filosofia naturalista que repousa basicamente sobre a razão e a ciência, sobre a democracia e a compaixão humana”.
Voltamos a Heráclito para ver um mundo em permanente fluxo. Isso não significa que tudo é um caos; por trás do fluxo e do conflito há uma força organizadora, que ele chamou de logos, palavra grega que significa “razão” ou “lógica”. É esse logos, inerente ao universo, que transforma o conflito e a mudança em beleza e prazer.
“Oposição traz concórdia” é um dos paradoxos de Heráclito. “Da discordância vem a mais bela harmonia.” O bem não existe separado do mal, a saúde da doença, a saciedade da fome, ou o descanso do cansaço: eles são os dois lados da mesma moeda metafísica, sucedendo-se um ao outro à medida que a mudança obriga a moeda a girar e girar. Todos nós jogamos dados com Deus, conclui o matemático Blaise Pascal. Deus existe, a razão humana é incapaz de provar qualquer coisa com certeza e você seria tolo se não acreditasse. No âmbito da natureza humana, prazeres certos geralmente prevalecem sobre os incertos, por mais sedutores que sejam estes últimos.
Porque não viver esse mundo – se não há outro mundo (Novos Baianos)
Platão não achava que este era o melhor dos mundos. É uma espécie de prisão onde estamos trancafiados em escuridão e sombras. Mas além dessa prisão reside um brilhante e esperançoso mundo de verdades, idéias ou ideais.
Nosso mundo cotidiano é uma caverna onde somos mantidos acorrentados. À nossa frente ergue-se uma parede e atrás de nós, uma fogueira. Incapazes de virar a cabeça, vemos somente as sombras projetadas na parede pelo fogo. Nada conhecendo além disso, naturalmente tomamos essas sombras por “realidade”. Os seres humanos, nossos companheiros, assim como todos os objetos da caverna, para nós não passam de sombras; não têm, para nós, outra realidade além dessa.
Mas se pudéssemos nos libertar das correntes, se pudéssemos ao menos nos virar para a entrada da caverna, poderíamos constatar o nosso erro. A princípio, a luz direta nos seria dolorosa e perturbadora. Porém, logo nos adaptaríamos e começaríamos a perceber as pessoas e objetos reais, que só conhecíamos em forma de sombras. Mesmo assim, devido ao hábito, nos agarraríamos às sombras, ainda acreditando que elas fossem reais, e suas fontes, apenas ilusões. Mas se fossemos tirados da caverna para a luz, cedo ou tarde chegaríamos à visão correta das coisas e lamentaríamos nossa antiga ignorância.