A palavra globalização é usada para descrever o globo terrestre como uma imensa feira, onde os mercadores de todo mundo oferecem seus produtos competindo no preço e no charme da novidade. Também serve para significar a enorme mobilidade do dinheiro, que entra na Bolsa de Valores de São Paulo pela manhã, sai à tarde e em seguida entra na Bolsa de Volares de Tóquio, enquanto aqui é noite.

Parece tudo novo mais não é. A formação de grandes fluxos financeiros a partir dos ciclos de acumulação, são registrados por Giovanni Arrighi, em seu livro o “Longo Século XX”, como um fenômeno iniciado no século XII. A aparência de vídeo-game, pela rapidez das transferências de dinheiro por computador é o dado novo. Historicamente, o poder político e o capital formam um pacto para promover o investimento, em condições seguras e favorecidas, possibilitando aumentar a acumulação e escolher novo investimento. Agora, como no passado, a geografia velha cria uma nova geografia, agrega consumidores ao mercado, cria e satisfaz desejos.

Economista e sociólogo, Giovanni Arrighi, escreve o livro buscando compreender o pacto do poder político com o capital, e fazer um mapa que indique o que pode acontecer. Dos Estados Italianos do século XIV, às Províncias Unidas da Holanda do século XVII, do Império Britânico do século XVIII à liderança dos EUA de agora, a pergunta no ar é: quem será o próximo grupo dominante? Pode ser a China. A America Latina também pode ser uma nova geografia no mapa do poder e do dinheiro.

 

O Estado obsoleto

Agora, ao contrário do passado, quando os grupos envolvidos na acumulação de capital criavam um Estado ou funcionavam ao seu abrigo, o capital encontrou um novo espaço sem fronteiras nas empresas transnacionais. As trocas no bojo dessas empresas já superam as trocas entre os Estados.

Muitos analistas são pessimistas ao reconhecer a impossibilidade do Estado regular fluxos financeiros desse porte e com essas características. As nacionalidades, as moedas, os bancos centrais locais, as estratégias nacionais estão sendo colocadas à mercê de uma enorme massa de capital sem qualquer compromisso com esses objetivos regionais.

O resultado é o surgimento da chamada política neo-liberal, onde o Estado, para atrair o capital, toma a decisão da desregulamentação, abertura do mercado e alinhamento da política monetária a um sistema internacional. O Prof. João Carlos Miranda, da Unicamp, resume bem a perplexidade em entrevista no Jornal dos Economistas RJ (outubro de 1996) sobre o futuro de uma ordem monetária internacional, em que o país deficitário, os EUA, detém a hegemonia política da moeda, e o país superavitário, o Japão, não tem poder político de decisão. Vai além. Reconhece que o Tesouro Americano, o FMI e o Banco Mundial tem mais importância que a ONU. E na verdade é o Grupo dos 3 (Alemanha, EUA e Japão) que define os destinos do Grupo dos 7, organizações informais que congregam os países mais ricos.

Parece muito poder? É bom analisar melhor. Cadê a China, que com a incorporação de Hong Kong entra definitivamente no jogo financeiro internacional? A China, com mais de 1,5 bilhão de habitantes, já compra empresas nos EUA, disfarçadamente, e esconde-se por trás de empresas financeiras e de participações (holdings). O que dizer dos US$ 6 trilhões diários movimentados pelo mercado interbancário internacional, regulados pelos próprios bancos, longe dos bancos centrais nacionais, com uma interdependência que ninguem conhece, conforme relata o Prof. Miranda. É um elo frágil e preocupante. Mas, na ultima crise de liquidez do México esse sistema invisível apagou o incêndio, articulou a ação das instituições financeiras e Estados, criando um precedente de intervenção, para preservação do capital, bastante impressionante. Essa iniciativa e agilidade confronta com a limitação política dos Estados, cujos compromissos locais não permitem decisões com rapidez, necessitam de longos processos políticos para aprovar suas ações.

 

A arte da guerra

Há 2.500 anos o general chines Sun Tzu escreveu o livro “A Arte da Guerra”. Começa assim: A arte da guerra é de importância vital para o Estado. É uma questão de vida e morte. Parece óbvio, mas, provavelmente essa afirmação singela contém a verdadeira razão da crise do Estado: a perda da guerra como seu instrumento. O Estado sem a guerra perdeu seu principal elemento de coerção e com isso reduziu seu poder.

A guerra nuclear com aniquilição total mútua assegurada, que foi o ultimo estágio estratégico que atingiu, tornou a guerra desinteressante para o capital, já que destrói todo o patrimônio existente. O que resta são escaramuças localizadas, aproveitadas como mercado pelo capital, tuteladas pelos paises ricos e poderosos, os quais vigiam para impedir o uso de armas químicas e nucleares.

Sem a coerção, o Estado perde terreno diante do capital. O capital por sua vez também tem seus problemas, sendo o principal deles a manutenção do poder de compra do seu resultado financeiro. A taxa de juros, é a vaca sagrada dos sistemas de intermediação, mas não é nada diante do desafio de manter estável a capacidade de aquisição de bens, através do tempo. Realizar a acumulação com a mesma capacidade de aquisição, de um período para o outro, compensando uma perda inflacionária latente, é o desafio e objeto verdadeiro da operação desses agentes.

As preocupações políticas de analistas é com os resultados de curto prazo sobre as populações. O desemprego e a desigualdade social são os reflexos imediatos. Esses problemas poucas sociedades foram capazes de solucionar. Essas poucas agora correm o risco de perder suas conquistas. Na verdade o intuito é construir um discurso capaz de ganhar simpatias políticas e votos, visando reconstruir um Estado capaz de subjugar os fluxos financeiros aos seus objetivos, os quais julgam ser moralmente superiores.

A radiografia da crise do Estado, seja os EUA, o Japão ou o Brasil, demonstra que na realidade suas políticas são muito crueis, e que aparência de seus discursos reflete-se pouco ou nada da essência dos seus atos. Há em comum uma burocracia interna lutando pela sua preservação. Nos EUA essa classe é confrontada e contida pela grande empresa, a qual o Estado definiu apoiar por ideologia e conveniência fiscal. No Japão, o sistema medieval prossegue no Keinderen, o Governo é a concha que abriga as grandes casas comerciais, sua atividade preferida agora mudada para “o comércio é guerra”. No Brasil uma aristocracia de contornos tribais é a que sempre sobrevive em cada mudança, seja no Estado Novo, no Golpe de 64 ou na Nova República. Marx e Fourrier

É forçoso reconhecer que a burocracia tem sua própria dialética. Que a contradição, apontada por Karl Marx como a semente da destruição do capitalismo, foi a semente da destruição de sistemas comunistas. O instrumental de Marx está vivo e em aplicação. Suas teses são discutíveis quando examinada a sua aplicabilidade sobre o que são os verdadeiros anseios e desejos das massas. Nesse ponto todos falham. Socialistas utópicos, como o anarco sindicalista Charles Fourrier, chegam a fazer sentido.

O sistema democrático e de liberdades individuais aparentemente é o preferido no Ocidente. Entretanto, a julgar pela permanência de regimes autoritários, a conclusão é que muitas sociedades acham alí seus encantos.

O fim da União Soviética. As práticas capitalistas da China. A crise dos sistemas de seguro social nas economias mais avançadas são na realidade a expressão de um mesmo fenômeno: a falta de manutenção do poder de compra de determinado sistema de acumulação.

Em diversos Estados essa falha é traduzida em deficit das contas públicas e compensada através do endividamento ou atração de investimentos, em ambos os casos recompondo, através da taxa de juros ,o poder de compra de determinado sistema de acumulação.

A questão ideológica da atualidade é a escolha do sistema que desejamos. A verdade é que em todos é possível sobreviver e que as ditaduras da burocracia, do proletariado ou do mercado são formas limitantes e que confrontam o espírito humano.

Muitos só desejam trabalhar, comer, dormir e amar, guardando para sí o direito de sonhar sem partilhar ou explicar. Os ciclos de acumulação tem sua moral: seu mercado são os seres capazes de produzir riquezas através do trabalho. A manutenção do poder de compra dos resultados financeiros dependem do sucesso em compensar a inflação gerada pela falta de produção ou de produtos. Os produtos devem ser capazes de ajudar-nos a suportar essa travessia pela vida.